Commodity foi a que mais se beneficiou do ciclo de alta de matérias-primas com ganhos de quase 1.000% desde meados de 1990; mas está claro que o pico ficou para trás e não vai voltar
Bloomberg Opinion — O petróleo, o cobre, a soja e outras commodities monopolizaram a atenção, mas, de todas, o humilde minério de ferro foi o que mais se beneficiou do boom econômico chinês dos últimos 25 anos.
Foi uma bonança surpreendente: do fim da década de 1990 até o início de 2024, os preços do minério de ferro aumentaram quase dez vezes, mais do que qualquer outra commodity importante; o volume negociado triplicou; os magnatas australianos das commodities se tornaram bilionários; as empresas de mineração se transformaram, mesmo que brevemente, em queridinhas de Wall Street; e poderosas batalhas legais foram travadas pelo controle dos últimos depósitos minerais inexplorados.
E, agora, tudo acabou: o maior boom de commodities do século XXI chegou ao fim. A China o inflacionou – e a China também o derrubou.
O custo do minério, que se transforma em aço dentro de altos-fornos, já caiu para menos de US$ 100 por tonelada, 55% abaixo de seu recorde histórico de quase US$ 220 por tonelada estabelecido em 2021. Além disso, as perspectivas parecem sombrias à medida que a demanda chinesa por aço atinge seu ápice.
É difícil apontar a data exata, mas ficou claro que a China atingiu o pico da demanda de aço em algum momento entre 2020 e o início deste ano. O motivo foi a guinada do modelo econômico para serviços, afastando-se dos investimentos pesados e da construção de moradias.
Durante as recessões anteriores, Pequim salvou sua economia – e, portanto, os setores de minério de ferro e aço – e se entregou a uma explosão da construção civil alimentada por dívidas. É improvável que a China faça isso desta vez.
Mas não acredite em minha palavra, acredite em Hu Wangming, presidente do conselho do China Baowu Steel Group, a maior siderúrgica do mundo, que previu na semana passada um “inverno rigoroso” para o setor.
O executivo disse que a retração seria “mais longa, mais fria e mais difícil de suportar” do que ele esperava anteriormente.
Como a China produz atualmente mais da metade do aço do mundo, o que acontece lá é extremamente importante. Outros países podem assumir o papel de motores da demanda de aço. A Índia é o candidato mais óbvio. Infelizmente, para o mercado global de minério de ferro marítimo, a Índia tem enormes recursos internos de minério e é provável que o faça sem importações nos próximos anos.
Por si só, o pico de demanda de aço da China representaria um retrocesso, mas não seria um desastre para o minério de ferro. Afinal de contas, o consumo de aço na China permanecerá em um patamar elevado nos próximos anos, em vez de cair drasticamente.
É possível que Pequim não construa tantas casas como no passado, o que reduz, portanto, a demanda pelo chamado “aço longo” – vigas, hastes e produtos semelhantes. Mas o país ainda precisa de muito aço para fabricar os produtos que seus consumidores desejam. Esse é o chamado “aço plano” usado em carros novos, geladeiras e muito mais.
A desaceleração na China ocorre, principalmente, no momento em que uma nova geração de minas grandes e de baixo custo na Austrália e na África inicia a produção.
Essa combinação é o problema, pois significa que o mercado de minério de ferro, já com excesso de oferta no primeiro semestre deste ano, permaneceria com excedente em 2025, 2026, 2027 e, provavelmente, também em 2028. O Macquarie Bank, um banco australiano, afirma que o superávit atual é “um dos piores” de todos os tempos.
Assim, no médio prazo, os preços do minério de ferro devem cair para reequilibrar o mercado, expulsando as mineradoras de alto custo. Mas qual será o tamanho da queda? Isso dependerá muito do fato de as novas minas entrarem em operação dentro do prazo e de o setor imobiliário chinês se recuperar um pouco.
Se a produção chegar ao mercado conforme o planejado, possivelmente até 200 milhões de toneladas – cerca de 12,5% do mercado de minério de ferro marítimo – precisarão ser deslocadas. Isso é muito. Um excesso de oferta semelhante, visto pela última vez em 2015 e 2016, exigiu uma queda para US$ 50 a tonelada, quase a metade dos preços atuais.
Por enquanto, no entanto, o mercado não está em colapso. Apesar da recente queda, os preços do minério de ferro permanecem próximos a US$ 100 a tonelada métrica, ou seja, 700% acima do preço médio de US$ 12,50 a tonelada entre 1980 e 2000. A alta nos anos anteriores foi tão grande que seria necessário um recuo massivo para que os preços chegassem perto do que eram em 2000.
Com os preços atuais, as principais mineradoras ainda ganhariam muito dinheiro.
Considere que a Rio Tinto, a maior mineradora de minério de ferro do mundo, extrai o mineral da região de Pilbara, na Austrália Ocidental, a um custo de cerca de US$ 21 por tonelada. Mesmo com o preço atual mais baixo, é provável que a empresa obtenha um retorno sobre o capital investido em suas operações de minério de ferro acima de 40%, e talvez até 50%.
Mas, se os preços caírem para US$ 50, a sorte da Rio Tinto – juntamente a de com outros grandes produtores, como a Vale, o BHP Group, a Fortescue e a Anglo American – sofrerá. Isso, por sua vez, poderia abrir a porta para fusões e aquisições, provavelmente na segunda metade da década.
Dois novos entrantes, uma mina na Guiné, na África Ocidental, chamada Simandou, e outra na Austrália, chamada Onslow, ainda ganhariam dinheiro mesmo se os preços caíssem, devido a seus baixos custos de produção.
Até 2028, as duas minas poderão acrescentar cerca de 150 milhões de toneladas ao mercado marítimo, o que equivale a cerca de 10% do tamanho atual. Além disso, as principais mineradoras atuais também planejam expandir outras minas.
Então, quem cortaria a produção?
As mineradoras de segundo e terceiro níveis de Brasil, Índia, Ucrânia, África do Sul, Irã e Cazaquistão. Com custos de produção mais altos – de US$ 50 a US$ 100 por tonelada –, elas seriam expulsas quando os preços caíssem, reequilibrando o mercado. As mineradoras domésticas chinesas também seriam pressionadas. Quanto mais toneladas precisarem ser deslocadas, mais os preços precisarão cair – e vice-versa.
As grandes empresas argumentam que muitas mineradoras de terceiro nível têm custos próximos de US$ 80 a US$ 100 por tonelada, o que significa que, se os preços caírem além do nível atual de US$ 90 por tonelada, alguns produtores de alto custo ficariam “submersos” e o volume cairia, reequilibrando o mercado.
Somente se o excesso de oferta fosse significativo – o que exigiria que as mineradoras de segundo nível, com custos de US$ 60 a US$ 80 por tonelada, parassem de cavar – é que os preços se aproximariam de US$ 50 por tonelada, argumentam. A experiência histórica sugere que eles estão certos.
O que não prevejo é um retorno ao mercado pré-2000 de preços ultrabaixos, quando o minério de ferro normalmente era negociado a menos de US$ 15 por tonelada. Naquela época, o minério era uma parte secundária do mercado global de commodities. Era lucrativo, mas só um pouco.
O mercado era tão primitivo que chamá-lo de mercado seria um termo errôneo. De 1960 até o início do século XXI, os preços do minério de ferro não eram definidos todos os dias em meio a um comércio cruel, mas apenas uma vez por ano em negociações anuais secretas entre as mineradoras e as siderúrgicas japonesas.
Enquanto as discussões continuavam, todos esperavam até que uma siderúrgica e uma mineradora chegassem a um acordo sobre o preço; então, de forma quase cartelizada, todos os outros participantes do setor aceitavam o preço como referência, com o mesmo preço acordado por todas as mineradoras e siderúrgicas.
Foi somente no início dos anos 2000 que surgiu um mercado spot diário para o minério de ferro e somente em 2010, bem no início do boom econômico chinês, que o sistema anual de negociações de preços se desfez, sendo substituído pelo sistema vigente de contratos de longo prazo vinculados a preços diários.
O período de 1960 a 2000 não voltará. Mas as mineradoras precisam esquecer o retorno dos preços de mais de US$ 200 por tonelada. Até mesmo o preço médio de US$ 90 por tonelada das duas últimas décadas está em perigo.
É verdade que algum evento inesperado ainda pode impulsionar o mercado. Em 2015 e 2019, o colapso das barragens de rejeitos de Mariana e Brumadinho reduziu repentinamente a oferta, elevando os preços. Mas, a menos que ocorra um desastre, o boom acabou.
As mineradoras, de muitas maneiras, estão registrando isso. Ignore o que eles dizem em público. Em vez disso, foque no que ela fazem.
Quando a BHP – uma das principais mineradoras de minério de ferro do mundo – lançou uma tentativa de aquisição de quase US$ 50 bilhões da rival Anglo American, ela indicou sua falta de interesse nas minas de minério da Anglo na África do Sul, que têm custos um pouco mais altos. Isso diz tudo.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Javier Blas é colunista da Bloomberg Opinion e cobre energia e commodities. É coautor de “The World for Sale: Money, Power and the Traders Who Barter the Earth’s Resources”.
FONTE Bloomberg