Está nas mãos da Câmara dos Deputados avaliar, alterar e aprovar um projeto de lei que promete mudar a indústria do gás no Brasil. A Nova Lei do Gás visa abrir a concorrência, expandir o investimento e promover o consumo. O PL 6407/2017 foi aprovado na Câmara dos Deputados, foi ao Senado e, na noite desta quinta-feira (10), voltou à Câmara, após ser aprovado com alterações pelo Senado. Mas está cercado de dúvidas e divisões do setor. Assim, ele será avaliado novamente.
O projeto beneficia as empresas que pretendem explorar o gás natural, pois quebra o monopólio da Petrobras. O Brasil possui cerca de 9.400 quilômetros de gasodutos, construídos a partir da criação do gasoduto Bolívia-Brasil durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso em 1999. Todos esses gasodutos pertencem à Petrobras, que detém o monopólio de seu uso.
A nova lei determina que a empresa proprietária do duto deve permitir que outras empresas utilizem a rede, desde que não prejudiquem a preferência do proprietário e paguem pelo serviço.
O projeto de lei converte o modelo de concessão em modelo de autorização, o que tornará o processo mais rápido e aberto. A autorização é dada pela agência reguladora de petróleo e gás do país, a ANP. Antes a concessão era dada pelo Ministério de Minas e Energia, exigia licitação e era bem mais lenta. Agora, será necessária apenas uma chamada pública e a aprovação da ANP, que deve ser mais rápida.
Essa situação de monopólio começou a mudar recentemente, quando a Petrobras passou a disponibilizar parte de sua infraestrutura para outras empresas. Mas a infraestrutura brasileira é pequena: a Argentina tem 16 mil quilômetros de gasodutos, quase o dobro do Brasil.
Para o deputado Laercio Oliveira, que foi presidente da comissão responsável pelo projeto na Câmara, o Brasil está hoje “muito atrasado” na produção, distribuição e comercialização de gás natural.
E ele diz que o novo projeto, se aprovado, ajudará o país a se recuperar. “Isso dá ao setor uma segurança jurídica. Agora, o gás (obtido na exploração do petróleo) é reintroduzido nos poços por falta de infraestrutura (para levá-lo até a costa). Como a lei facilita a exportação, torna-se um mercado muito cobiçado ”, disse o deputado.
A maior parte do gás produzido no Brasil vem da exploração do petróleo do pré-sal. Por falta de mercado, as empresas optam por reinjetar o gás no poço para extrair mais petróleo ao invés de oferecê-lo como fonte de energia.
Segundo o professor do Instituto de Energia e Meio Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE / USP) e pesquisador do Centro de Pesquisa em Inovação em Gás (RCGI) Hirdan Katarina de Medeiros Costa, o projeto de lei, como está agora, pode incentivar os importação de gás antes de estimular a infraestrutura nacional. Para isso, diz ela, o mercado de gás precisa ser monetizado.
“Levará algum tempo para que mais players entrem no mercado. Agora, a Petrobras está abrindo mão de ativos, o que permite um número maior de fornecedores, bem como preços mais acessíveis e mais consumidores. Para construir mais dutos, é preciso haver uma demanda que garanta o investimento e corte de custos ”, explica.
LEI BOA MAS TÍMIDA
O sócio fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, afirma que o Brasil precisava, de fato, de um novo marco regulatório para o setor. Ele acredita que o novo projeto de lei é bom. Mas tímido.
Pires lembra que a tecnologia de produção e distribuição de gás percorreu um longo caminho para que agora possamos obter gás, liquefazê-lo, transportá-lo e depois gaseificá-lo novamente a um custo viável. Além disso, a exploração de gás de xisto tornou os Estados Unidos o maior produtor e exportador de gás do mundo.
Agora, diz Pires, o problema não é de abastecimento. “É uma questão de demanda. Devem ser criados mercados e infraestrutura. E o projeto de lei não incentiva nenhuma dessas coisas. Acaba estimulando as importações ”. Para avançar ainda mais, o projeto de lei deve incluir artigos que estimulam a construção de termelétricas e gasodutos, diz Pires.
Segundo o diretor do CBIE, o gás natural é uma matriz energética de transição. Embora seja de base fóssil, é menos poluente do que outras misturas utilizadas para operar uma termelétrica, como o diesel. Também pode ser uma fonte de energia enquanto a dependência do petróleo é reduzida e o uso de fontes limpas como solar e eólica é desenvolvido.
Além disso, ter termelétricas ajudaria o Brasil de duas maneiras. Eles poderiam ser usados como “redundantes”, ou seja, se a fonte principal falhar por algum motivo, como ocorreu na crise de energia que deixou o Amapá sem energia em novembro, a termelétrica entra em ação para atender a demanda. A outra forma é promover a diversificação da matriz energética e garantir o abastecimento. Os reservatórios de água usados para abastecer as hidrelétricas brasileiras são baixos e o presidente Jair Bolsonaro alertou sobre o risco de apagão. Com termelétricas a gás, isso não seria um problema.
Do jeito que está, o novo projeto de lei resolve apenas parte do problema, afinal as usinas podem ser movidas a gás importado ou nacional. Mas Pires acredita que o projeto poderia ser mais completo. “Se não estimular a produção, vai estimular as importações. Como agora existe um excedente de gás em todo o mundo, as empresas não aproveitam o que é produzido no pré-sal, finaliza o país ”, diz Pires.
Marcelo Mendonça, diretor de Estratégia e Mercado da Associação Brasileira das Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegas), também acredita que o projeto tem pontos positivos, mas ainda não é suficiente para gerar demanda.
“O pré-sal e outros campos de exploração são as fontes de riqueza do Brasil que não podem mais ser desperdiçadas. Os níveis de reinjeção chegam a 40%. Não é sustentável continuar desenvolvendo mais de 40% da produção nacional de gás todos os dias até o fundo do poço. Só será totalmente explorado quando houver grande demanda, por um lado, e infraestrutura suficiente para processá-lo e transportá-lo para as fábricas, lojas e residências. Por isso, precisamos criar políticas assertivas para estimular os jogadores a fazerem investimentos para realmente mudar a situação atual ”, disse.
Conforme Pires, Mendonça destacou a importância das termelétricas para a matriz energética. “Essas usinas devem ser construídas no campo, estimulando assim a construção de gasodutos para levar energia a várias cidades e municípios que ainda não são atendidos. Do jeito que está agora, o texto tende a incentivar a importação de gás. E o gás importado não gera royalties ‘, afirma.
A Rússia possui a maior reserva de gás natural, com cerca de 35 milhões de metros cúbicos. É seguido pelo Irã, com 32 trilhões de metros cúbicos, e pelo Catar, com 24,7 trilhões de metros cúbicos, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE). Os EUA estão em quinto lugar, atrás do Turcomenistão, mas apesar de ter reservas de 12,9 trilhões de metros cúbicos, são o maior produtor e exportador de gás do mundo. Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o Brasil tem reservas comprovadas de gás natural de 368 bilhões de metros cúbicos em terra e no mar, principalmente na Amazônia.
Embora possua grandes reservas, o Brasil importa grande parte do gás natural que consome. “O Catar é um exemplo de país que exporta suas reservas. Aqui no meu estado (Sergipe) tem um navio que recebe gás do Catar e abastece as termelétricas. Eles importam porque o gás brasileiro é muito caro ”, finalizou o deputado Oliveira.
FONTE: O Petróleo