Setor passará a ter cobrança de tributação progressiva a partir do ano que vem.
A transição energética no Brasil ganha força ano após ano. Sobretudo no Nordeste, a energia solar se destaca como segmento com fatia cada vez mais importante na produção de eletricidade no País. A partir de 2024, contudo, a expectativa é de que os materiais que fazem parte da matriz solar fiquem mais caros para os consumidores, com destaque para os painéis solares.
Atualmente, em grandes usinas ou em pequenos sistemas, como geração residencial, a energia fotovoltaica no Brasil utiliza tecnologia oriunda de importação de outros países, em especial da China. Até o fim deste ano, os componentes importados tinham carga tributária reduzida para estimular o segmento.
Isso muda a partir de 1º de janeiro de 2024 para produtos de fora do Brasil. Além da cobrança para aerogeradores, os painéis também serão tributados, em 10,8%, progressivamente até 2027. Ainda serão revogadas 324 exceções tarifárias para esses materiais, que fomentavam a importação. O objetivo é estimular a indústria de produção de equipamentos de energias renováveis no Brasil.
Somada a esse encargo, há ainda a tarifa de utilização do sistema de distribuição (TUSD), conhecida popularmente por “taxa do Sol”. Passou a incidir, desde o início deste ano, uma alíquota pelo uso dos fios de transmissão das concessionárias de energia. O imposto será cobrado gradualmente até 2029, quando terá o preço cheio.
Em um contexto de maior migração para fontes renováveis no País, especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste acreditam que essa medida deve de fato aumentar o preço dos painéis fotovoltaicos, que já estão mais baratos do que o normal, mas não deve desestimular a instalação dos equipamentos em função de uma maior economia nas contas.
EQUIPAMENTOS MAIS ACESSÍVEIS NESTE ANO
A perspectiva de que os painéis solares fiquem mais caros a partir do próximo ano com as alíquotas vai na contramão do atual momento do setor fotovoltaico, de acordo com Hanter Pessoa, CEO do grupo H3 e diretor de geração distribuída do Sindienergia-CE. Ele elenca os motivos pelos quais os equipamentos de produção de energia solar estavam com valores mais acessíveis em 2023.
“O preço dos produtos que compõem a placa tiveram uma boa queda neste ano. Outro motivo foi o mercadológico, o volume de importação no Brasil comparado com o volume de vendas teve um volume maior do que o esperado de venda, então o preço tendeu a cair também. Naturalmente os preços caem, a competitividade, por si só, traz esse preço para um patamar muito baixo e nunca visto antes”, explicita.
Tal perspectiva é compartilhada por Mário Viana, diretor comercial da Sou Energy. Ele pondera que 83% de toda a geração distribuída de energia solar no País, isto é, painéis e usinas que produzem energia, é oriunda de sistemas residenciais, que incluem, além de moradias, pequenos estabelecimentos comerciais.
“O valor dos equipamentos caiu drasticamente este ano por conta de diversos fatores. O gerador pequeno hoje é do preço de uma geladeira grande, finalmente chegou em um preço no qual o pobre tem acesso, em que ele pode gerar sua própria energia, ter mais conforto em casa, de poder ampliar as suas oportunidades. Além de fazer alguma economia, e com essa economia fazer uma reserva.”
MÁRIO VIANA. Diretor comercial da Sou Energy
Para o CEO da Ergos PAE, Rafael Bessa, a apreensão nos clientes sobre a taxa do Sol no fim de 2022 fez com que o mercado de vendas de equipamentos solares se recuperasse neste ano, embora o setor tenha mantido o custo-benefício. Com diversos exemplos de sucesso no setor, ele acredita que as perspectivas são animadoras para 2024.
“O discurso comercial do ano passado era: ‘tem que fazer até o final do ano porque senão depois perde viabilidade’. Foi meio que construído um discurso que depois não ia valer mais a pena fazer energia solar. Na prática, não é verdade. Na hora que você começa a fazer conta, [o retorno financeiro] para um projeto de energia solar gira em torno de três anos, então continua muito viável. Como teve muita manifestação contrária no passado, esse ano foi de desconstrução desse discurso”, infere.
PREÇOS MAIS ALTOS EM 2024
Se os fatores internos e externos apontam para os painéis solares serem vendidos “a preço de custo” atualmente, a lei de oferta-demanda e o aumento progressivo das alíquotas no ano que vem dão claros indícios de que esses equipamentos ficarão, de fato, mais caros.
É o que argumenta o professor de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Ceará (UFC), Raphael Amaral. Com uma crescente procura antes de uma cobrança cheia da tributação nos próximos anos, os preços dos painéis devem subir.
“A alta procura de pessoas físicas pelos painéis pode fazer com que o preço se eleve, já que pode ser que o estoque não seja suficiente para atender a demanda e aí tem a lei da oferta e da procura. A curto prazo, se o estoque não for suficiente, há a tendência de aumento de preço”, diz Amaral.
A fala é complementada por Hanter Pessoa, que deixa claro que a razão para o aumento, especialmente nos painéis fotovoltaicos, para além da tributação, está relacionada com as mudanças nesse mercado.
“Hoje é um imposto feito como uma forma de incentivar o setor e não é pago e decidiu começar a fazer essa cobrança na entrada desse material no país. Eles tendem a ficar mais caros ano que vem. Realmente hoje temos uma condição de preço muito vantajosa, tanto por não ter imposto como por realmente o mercado estar numa situação que precisa vender barato para poder se adequar a realidade de demanda e oferta”, reitera.
“Temos realmente uma tendência de aumento de preço comparado com o que está hoje, por dois motivos: por entrada de um imposto e o outro por demanda e oferta. (…) O importante é que a gente já enxergue que existe uma cobrança de um imposto que a gente não tinha antes, e a tendência é de, nos próximos anos, que esse equipamento chegue mais caro aqui para o nosso cliente final. É um valor que não tem como ser absorvido.”
HANTER PESSOA. CEO do grupo H3 e diretor de geração distribuída do Sindienergia-CE
IMPACTO NO CONSUMIDOR
Danilo Pinho, diretor comercial da 55 Energy, acrescenta que “nada que aumente preço é favorável”, principalmente em um período onde os preços de painéis solares atingiram os valores mais baixos da série histórica, na visão dos empresários do segmento.
“Chegamos a um equilíbrio na relação do preços dos equipamentos. Aquilo que a gente espera é que, pela competitividade na indústria fabricante desses equipamentos que vêm da China, a gente consiga absorver esse impacto. Entendo que a indústria nacional precisa ser desenvolvida e fomentada, mas o consumidor final não pode ser impacto, porque isso vai ser repassado”, lamenta.
Esse cenário de aumento nas alíquotas pode dificultar, em um curto prazo, um caminho mais acelerado para a transição energética de forma limpa.
Raphael Amaral , professor da UFC, acrescenta que, embora o mercado de energia solar cresça 300%, seria insuficiente para garantir uma redução significativa no uso de combustíveis fósseis para produção de eletricidade no Ceará.
“Mesmo que o mercado crescesse 300%, ainda não alcançaria níveis importantes de participação na matriz. Vai aumentando aos pouquinhos e isso poderia até deixar o uso das termelétricas menores, mas ainda sim seria muito incipiente. Ainda tem muito terreno para exploração desse tipo de geração com relação as outras fontes de energia aqui na matriz energética do Ceará”, salienta o professor.
BOAS PERSPECTIVAS
Apesar das medidas de aumento de imposto dos componentes solares, os empresários do setor estão otimistas de, pelo menos nos primeiros meses de 2024, manter o material com valor inalterado. É o que afirma Mário Viana.
“A ideia é que os preços dos equipamentos sigam conforme eles estão nesse momento no final do ano. Por uma questão de política lá na China, hoje praticamente os equipamentos estão sendo vendidos a preço de custo. Mais barato do que está, não vai ficar, mas também não vai ficar mais caro. Aumente um pouquinho ao longo do ano, talvez lá no segundo semestre retome um pouquinho, mas ele nunca vai voltar aos patamares que eram no final do ano passado”, explica.
Com o aumento nas alíquotas, progressivamente, Rafael Bessa, da Ergos PAE, explicita que o impacto deva existir, mas com menos preocupação do que se apresenta atualmente.
Principalmente com a expectativa de reajuste nas bandeiras tarifárias em razão de hidrelétricas operando em capacidade menor em virtude da esperada seca no ano que vem, o empresários vê os painéis solares ainda mantendo o preço com bom custo-benefício.
“Acho que talvez impacte, mas como o preço caiu muito, acho que o impacto não é significativo não. Acho que a gente vai ter uma tendência de preços baixos ainda para o próximo ano, o cenário é bem positivo para 2024. A data-base de reajuste no preço da energia no Ceará é abril, e a expectativa que se tem comentado é de aumento. Quanto maior a tarifa de energia, quanto menor os preços dos equipamentos, mais viável fica para esse modelo de negócio também”, diz o gestor.
O diretor comercial da 55 Energy vai além e avalia o próximo ano como o de “retomada” no segmento de energia solar, principalmente após um 2023 onde a área sofreu para recuperar clientes receosos com a cobrança das alíquotas anunciadas com o Marco Legal da Geração Distribuída, legislação aprovada em 2022 que estabelece normas e critérios para instalação de tecnologia fotovoltaica.
“A gente entende que agora o mercado como um todo se equalizou, tanto no que se refere ao preço dos equipamentos, como a própria lei em vigor. Energia solar é muito atrativa, a gente sabe que o payback se manteve. Vale muito a pena investir em outros modelos de negócios para obter energia, mas sem dúvida o mais rentável é ter a própria usina de energia limpa”, acrescenta Danilo Pinho.
Ele também ressalta acerca das tecnologias existentes hoje em dia no Brasil para desenvolvimento de uma indústria voltada para os painéis solares, principal objetivo alegado com a nova tributação em cima dos materiais, que mostram um cenário ainda pessimista para uma concorrência mais firme diante do domínio das fábricas chinesas.
“Não consigo visualizar com o que temos hoje na academia, que está na vanguarda para algumas tecnologias. Não consigo ver que a gente vai conseguir o beneficiamento principalmente do silício e do sanduíche, parte bem específica do painel solar, que são importados da China. Não vejo o Brasil com essa força agora, porque isso demanda tempo para começar e a gente ter retorno nesse equipamento. Por enquanto, o mercado chinês já está estabelecido.”
DANILO PINHO. Diretor comercial da 55 Energy
FONTE Diário do Nordeste